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Foto do escritorAldigital - Educação

Seja livre. Seja humano.



Há cerca de 11 anos, eu estive em uma escola na cidade de Poços de Caldas para comandar uma palestra sobre os perigos da internet para crianças e jovens e aproveitei o público, na sua totalidade pais e mães, para elucidar a questão da privacidade, da coleta de dados e dos cuidados que deveríamos ter ao inserir informações pessoais na rede.


Naqueles dias, não se falava muito em redes sociais e o Whatsapp ainda não estava disponível. Os smartphones eram uma coisa obscura e, quem os tinha, sabia que, além do telefone e da agenda de contatos, pouco mais poderia ser feito com praticidade.


Era um brinquedo de luxo.

Estávamos nos dias do surgimento dos tablets e tantas coisas comuns hoje, há 11 anos, eram apenas projetos.


Mas o desejo de captar dados e transformá-los em informação já era uma realidade. Grandes empresas já estavam focadas nesta possibilidade e já maquinavam novas formas de capturá-los.


Alertei os pais e mães presentes sobre as facilidades de acesso a conteúdos não recomendados a crianças, quando à frente de um computador com acesso à internet sem a devida observação de um adulto.


Mencionei vários casos da influência maléfica do uso contínuo, das radiações eletromagnéticas, da questão da postura física e da influência comportamental nos jovens. Falei sobre o quanto é importante manter o diálogo, a proximidade, o núcleo da referência familiar e dos limites. Quando se trata de crianças e jovens, impor limites e saber dizer não é uma forma de amor.


E, é claro, explanei largamente sobre a coleta de dados e a busca sobre informações pessoais e o valor que elas têm para a empresa que as armazena e sobre como suas preferências ou objetos de consumo podiam influenciar nas propagandas que seriam recebidas nos e-mails, que era a forma mais popular e poderosa de alcançar o público consumidor usando a rede.


Falei sobre o valor oculto da privacidade. Em todos os aspectos.


Vejam, 11 anos se passaram e eu, sinceramente, espero ter feito a diferença para aqueles que lá estavam, porque hoje observo pessoas entregando seus dados sem nenhum controle, inocentemente... vejo pais que se afastam de filhos porque estão no mundo digital e acreditam que podem compensar isso comprando e consumindo, não negando desejos, exaltando a mediocridade. Amando sem amar.


Se você tem um filho adolescente que parece ser fora do normal, em qualquer aspecto, acredite, a tecnologia contribuiu para esse resultado. Alterá-lo será árdua tarefa.


Como eu havia previsto há 11 anos, o interesse em coletar os dados pessoais cresceu exponencialmente e grande parte desse crescimento se deve aos dados ofertados em todo o mundo. Estes dados permitem decisões sobre como comandar gigantescos negócios, em que tecnologia investir, que produto desenvolver e o que vão nos vender “goela abaixo”.


Enquanto tolos mantêm discussões improdutivas nas redes ou alimentam seus status com suas atividades diárias, seus dados individuais são capturados e determinam o que vai consumir nos próximos anos, quem vai eleger, o carro que comprará, como pensar, no que acreditar e os objetos que deve usar.


Somos todos fantoches.


Bonecos.


Bois de boiada.


E é culpa sua. De todos nós.


Você pode até dizer, com certa convicção, que não se rende a estes encantos e que jamais entrega seus dados em redes sociais, mas, me dê uma chance: experimente digitar no Google seu nome entre aspas - as aspas limitam a busca aos termos exatos entre elas.

Surpreenda-se com o resultado.


Seu nome aparece em dezenas de lugares, talvez centenas. É fácil saber quem você é, seu endereço, seu CPF, telefone e outras coisas que você talvez não queira que sejam públicas, mas elas estão lá. Se alguém quiser te encontrar, não haverá dificuldades.


Está tudo lá. Mesmo que não estejam ao alcance dos indexadores de internet de superfície.

Porém, o maior problema é a reunião de todos esses dados. As empresas não têm interesse direto em você: o que interessa são os desejos e os hábitos coletivos. É a coletividade e suas tendências que têm valor. Não exatamente os dados individuais.


É claro que a somatória dos dados individuais forma a coletividade à qual você pertence. Mas poucos percebem isso. Estamos condicionados a sermos individualistas e, também, para sermos conduzidos coletivamente.


Em 11 anos muita coisa mudou. Smartphones poderosos, TVs inteligentes, redes sociais, comunicação instantânea. Para tudo isso, você fornece informações pessoais.


Tudo mesmo.


É algo bem maior do que se imagina.


A cada minuto passado, temos 1 milhão de logins no Facebook; 4,5 milhões de vídeos assistidos no YouTube; 1,4 milhão de perfis jogados para a direita ou para a esquerda no Tinder e um total de 41,6 milhões de mensagens enviadas no WhatsApp e no Facebook Messenger. Esse mesmo minuto na internet também contém 3,8 milhões de consultas ao Google, 347.222 posts visualizados no Instagram e quase um milhão de dólares gastos online. Isso inclui a curtida na foto do gatinho e nos vídeos com as supostas novidades tecnológicas ou eventos ocorridos em lugares que ninguém sabe.


Só os metadados.


Celulares sabem sua localização, sua rotina diária e que até mesmo nos ouvem sem permissão, processam o áudio, identificam palavras que podem representar informações pessoais.


E neste contexto, surge o app (ou software, ou programa, ou como você quiser chamar) que faz a varredura de sua face e mostra como você será quando mais velho ou como foi quando mais jovem. É o Faceapp e são surpreendentes a precisão e a coerência do app, que faz uso do que é chamado de Inteligência Artificial: um volume enorme de dados, processados e distribuídos para as mais variadas funções e, é claro, vendido aos milhões.


E, mesmo com a política de privacidade ao alcance de todo o usuário, as pessoas ainda se expõem, permitem que o celular rastreie suas feições e projete sua aparência, como em uma máquina do tempo.


É pura diversão e é de graça!


De graça, não... não mesmo.


Seus dados faciais estão sendo coletados por uma empresa Russa chamada Wireless Lab.

Aplicativos que agradam, em geral, seja pelas funcionalidades inovadoras ou pela praticidade em determinadas funções, tornam-se, em poucos dias, uma verdadeira febre e são impulsionados ainda mais quando celebridades os utilizam e tornam isso público.


Milhares de pessoas se envolvem na atividade e acreditam, profundamente, nessa falsa aparência de gratuidade.


O funcionamento é simples e, como eu já disse: surpreendente.


Os recursos de pesquisa inteligente e a combinação com dados coletados geram imagens do usuário envelhecido, cada vez mais, supostamente, precisas e realmente impressionantes.


Não tenho a intenção de fazer do aplicativo o vilão do momento, até porque os dados coletados por ele não diferem muito dos que já são coletados há anos pelo Google ou Facebook, mas geram uma certa preocupação, considerando que o reconhecimento facial é uma forma muito eficiente de localizar qualquer pessoa e projetar sua aparência em qualquer tempo. Câmeras, espalhadas pelo mundo, em quantidades inimagináveis, podem reconhecer a sua face e, assim, saber onde você está e o que poderá consumir.


Estas são informações muito valiosas nos dias em que dados são tão preciosos quanto o dinheiro de verdade.


Veja o que é coletado pelo FaceApp a cada nova foto:


- Todo o conteúdo do usuário: todas as fotos, mídias, arquivos ou textos que tenham passado pelos filtros do FaceApp e isso você permite quando aceita os termos de política de privacidade. Se você já usou, eu poderia apostar que não leu estes termos.

- Informações do Analytics: A análise de dados de terceiros, combinada com os dados coletados, verificam tendências do usuário, como páginas web visitadas, atividades comuns e tudo o mais.

-Arquivos de log: De uma forma genérica, um arquivo de log é um pequeno arquivo gerado por todos os aplicativos, inclusive pelo sistema operacional e sua função é coletar dados sobre ocorrências, como erros ou disfunções no funcionamento e os enviar diretamente para o desenvolvedor ou fabricante. Isso permite melhor entendimento sobre a usabilidade do aplicativo, eventuais falhas, mas, principalmente, coleta dados sobre os hábitos do usuário.


-Dados do navegador: Isso significa que seu histórico de navegação, cliques e buscas são rastreados, montando um perfil de usuário. Estes dados são somados a outros, formando uma comunidade nas proximidades do usuário, definindo padrões, tendências e capacidade de consumo.


- Identificador de dispositivo: É uma pequena função, disponível em todos os computadores e dispositivos conectáveis à internet que oferece a possibilidade de enviar as características do aparelho, assim como a marca, modelo e tudo o mais. Este fato revela sua capacidade de compra, preferência e permite uma projeção do que você poderá querer, em termos de aparelho, em um futuro próximo, criando um cenário perfeito para antecipação de produtos, design, cores e formato. O que se faz, na verdade, é criar a necessidade e vendê-la para nós.


-Metadados: Empiricamente falando, metadados são um bloco de dados que acompanham todas as informações geradas. São mais conhecidos por acompanharem as fotos ou mídias. Eles revelam data, hora e local em que a foto foi tirada. Uma análise, ao estilo do reconhecimento facial, pode determinar a localização exata do usuário, saber o que está fazendo e antecipar o que fará. Uma inocente selfie, com um fundo aparentemente irreconhecível, pode revelar muita coisa. Um simples copo de pipoca, com uma ínfima marca, pode revelar muito sobre você, onde está, com quem esteve e antecipar o que fará a seguir.


Se você está lendo este texto e chegou até aqui, me permita uma aparente falta de cordialidade:


Já está na hora de você crescer e aprender que nada é de graça e na internet, tudo tem preço: não existem ações benevolentes e tudo tem um custo. Se você não paga em dinheiro, paga com sua privacidade.

Deixe de se entregar aos app do momento, não marque encontros íntimos por meio de apps específicos, esqueça tolices tecnológicas, curta o gatinho da foto mas não clique em curtir, procure entender como funcionam os aplicativos e para onde seus dados estão sendo direcionados.


Se não se entende o mínimo para usar com segurança, não deve usar.


Use a tecnologia com inteligência.


Seja livre.


Seja humano.


Seja o protagonista de sua história.

É inquietante constatar que nossa vida, nossos desejos e sonhos estão sendo planejados por terceiros. Não é?



Leandro Modesto

é Consultor Técnico da Aldigital e Palestrante.

Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais e Analista de Sistemas.

Fanático por Space Invaders e Star Trek.

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